1º Lugar : “Manifesto do Anónimo Paciente do Século XXI” - António Lopez
Exmo. Sr. Doutor
Peço desculpa por incomodar
Nesse trono
Onde assenta tão bem
o seu julgar...
Tanto que no caminho para aqui
Vi os seus títulos ali
Na loja do AKI
E ainda aqui sozinho
Sem qualquer acompanhamento
Penso na sorte
Que hoje tenho
E que me dê algum alento!
Não tenho muitos estudos
Nem sou de grande classe social
Pelo que talvez tenha entendido mal
Mas o orgulho, a inveja e o banal
Promovem a gula e a luxúria
Como aquela vida ideal!
Onde os ricos gozam da preguiça
Com acesso ao rendimento social
Sabe...
Acho que o meu pecado foi a pobreza
Pois os outros 6, eu não pude ter
Ou escolher como sobremesa
Estou cansado
Mesmo muito cansado
Acha que é desta
que posso emigrar para o Céu?
Ou vou ser barrado?
Como um simples...refugiado
Porque se a pobreza for pecado
É sem dúvida pecado (sem) capital
O que é a gula e a avareza?
Quando eu vivo sem jeito
e trejeito
Sem alcançar tão grande feito
Senão ser paciente do Sanatório
E fazer lá amigos do peito
O meu sonho é simplesmente
viver uma vida monumental
Quando me deito à noite de costas
no meu berço de oiro
O Céu é o que vejo
Olho, e volto a olhar
Ouço até vozes
Mas não vejo esse Deus,
que tanto adoras
Quando era novo,
O meu professor gostava de me motivar
Contra a parede
Me arremessava
E com a mão na jugular
Dizia-me na cara
“Tens que trabalhar!”
Só que eu acho que lhe pedi
Para me soltar...
O corpo bloqueia
O coração bombeia!
O medo cresce!
E o pânico assume!!!
A palavra supre
Meus caros companheiros,
Posso ser meio maluco
Mas eu conheço as minhas cenas
Prometo evitar impropérios
E coisas obscenas
Desculpem,
Mas a censura já devia ter parado
Já devia ser história (ou estória)
do passado
A Sociedade já muito nos tira
Que será da nossa ação
sem a nossa
liberdade de expressão?
Mas e o mérito?
A meritocracia também é necessária
Porque quando o Governo contrata
amigos e familiares
Os idosos são encaixotados
em lares
E os aparelhos
Avariam aos pares
Perdoem-me,
Mas fogooo também é preciso
Quando a respiração falta
O trabalho é tanto
Que quase mata
E a renda é demasiado alta
Desculpem,
Mas carácter
também faz falta!
Quando meio Mundo
Não tem honra
E o outro...apenas quer
(Oh se quer)
Que vás para o
Carácter que te honra
Queremos um Mundo melhor
Mas para quem?
Para quem trabalha dia e noite
Quem bebe do seu suor
Ou para quem só pede, ora e tudo quer sem demora?
Enquanto reclamas das tuas regalias
E o teu irmão por um pedaço de pão
era o ver se te avias...
Dormes tu num berço de ouro
E ele e a tentar mascar um pedaço de couro
Só para acalmar as agonias
Apetece chorar
Mas ninguém verte uma lágrima
Apetece correr, gritar, fugir
Só que ninguém foge
Apetece simplesmente morrer
Mas muitos, continuam a querer
(apenas) existir...
Um fantasma ergue-se
Um fantasma espartilha
Um fantasma discorre
Mas ninguém me diga “Vem por aqui”
Não sei para onde vou
Não sei como vou
Mas sei...
Que não vou por aí!
2º Lugar : “Avó (ou as entrelinhas de uma cabeça esquecida)” - Ana Fagundes
Não tenho mais em mim senão um monte de prisão.
Há luz na minha cela e o interruptor está longe, está muito longe, atrás de serras de esforço. Há um comboio até lá. Sei-o porque por cima do meu ombro, sempre em frente, até onde o olhar precisar de cerrar, no prédio ao lado, as luzes estão quase todas apagadas. Há pessoas que têm bilhetes para o comboio que acaba no interruptor. Mas eu olho para dentro e não há senão prisão, adormecimento, pó e confusão. E os bilhetes, se os há, são de outro tempo e lugar. Eu olho para dentro e encontro o chão, que está por baixo da minha cadeira, e o tampo da cadeira, e o vestido azul de que o Alfredo tanto gostava. E acima de tudo, por cima de tudo, olho e eu não estou. E a luz da minha janela não se apaga nunca.
E não tenho mais em mim senão um monte de prisão.
Porque eu não me acordo do sono que vivo na pessoa que está entre a primeira e a terceira, na que se vê no espelho que deixou de ser eu. Por falar nisso...há muito tempo que não me vejo, por onde andarei? E o Alberto? Ou era Alfredo?
Não tenho mais em mim senão um monte de prisão.
Há uma hora da noite em que só passa um carro. Há um minuto favorito da noite para o vizinho que toca piano e outro para o que grita à varanda, julgando ter a noite, e a praça, para si só – o presunçoso! E que rico de si...
Sei as rotinas todas de todos, mas não me desprendo da estagnação da minha. Não reconheço as vozes que me falam na rádio – a sua língua já não é a minha, há frases cujo sentido me escapa, falam de objetos que não existem, e até ouvi dizer que dividiram o mundo outra vez e que há países novos, inventados.
Não tenho mais em mim senão um monte de prisão.
E na prisão não se sabe se é alguma vez verão, porque se sente sempre frio. Vou para o trabalho que não tenho todos os dias. E todos os dias encontram a cassete do Zeca, porque todos os dias me vão buscar à força. Acho que não como há dez anos, mas, uma vez mais, não sei porque comem as pessoas – ainda não perceberam que o vazio não se vai embora?
Não tenho mais em mim senão um monte de prisão.
Não tenho visão dos meus próprios limites – olho para as minhas mãos, quando ainda me lembro que são mãos e que são minhas, e não sei onde acabam. Não me dirigem palavra há 3 dias, por isso não sei o meu nome, mas dentro de mim há cinzas de letras de um nome que tive – um que chamavam e que eu apresentava com um sorriso nos olhos... coisas que estão muito longe. Ou muito perto, não me lembro.
Se eu fechar os olhos com a força que nunca me deixaram ter, sei, com a certeza toda, que já não existo. Se ficar muito caladinha, como quando choro, consigo esquecer também que sei que as lágrimas me tocam, de leve, nas rugas de expressão endurecida e que refletem o som do cão que ladra no andar de cima, ou daquela mosca que mora na luz fluorescente, e fundo-me com a invisibilidade. E vou descansada, com uma malinha de fotografias gastas e uma malha por terminar, sentar-me paciente numa cadeirinha do purgatório ou da sala de espera para ele.
Não tenho mais em mim senão um monte de prisão.
Há luz na minha cela e o interruptor está longe.
A minha luz não apaga, porque eu nunca durmo.
Eu nunca durmo, porque a minha luz nunca se apaga.
A minha luz nunca se apaga porque o interruptor está longe. E eu estou morta.
3º Lugar : “Sorrida e Acenada” - Francisco Ganço
Hei?
Hei?
Alguém aí?
- Grito ao precipício da minha mente.
Hei?
Hei?
Ouço um eco,
que reverbera, bate, e que se sente,
dos olhos, ao nariz. Da boca aos ouvidos.
Um eco que é nulo e seco,
que é vento que corta, frio e lento
e que corre num, pleno de si, vazio.
Hei?
Alguém me ajuda?
Estarei sozinho neste bêco?
Estarei sozinho ao frio e à chuva,
às vagas que inundam o pensamento?
Estarei naufragado em mim mesmo,
perdido e achado, todo, em mim?
Estarei senil, abstraído... sei lá...
Serei abstrato, serei assim?
Hei?
Mas quem sou eu afinal?
Olho-me pelos meus olhos,
por detrás das grades que me ergui.
Que me ergueram.
Olho-me e não me vejo.
Quando me olho, vejo os outros,
que me olham, que me veem rir,
que me veem, sempre, ir e vir,
sorrir e acenar e nem suspeitam,
que mesmo dentro de mim
não me consigo achar.
Hei?
Será este fôlego em vão?
Que labirinto este, meu Deus!
Que me mata, lentamente o coração,
e a razão, e a sensação... Ah! A sensação!
Que me mata lentamente o sentimento
e que me mata.
Lentamente,
pois dele era feito.
E já não sou.
Não sou mais nada.
Estou perdido.
Mas mostro sempre a minha cara,
bem sorrida e acenada.