XXXII Edição | Os Media Como Educador Médico

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Comentário

Mais que reflexivo e intemporal, o artigo escrito por Joana Cabrita, em 2016, faz todo sentido diante do cenário pandémico enfrentado no último ano, onde nos deparamos com uma grande quantidade de informações disseminadas numa alta velocidade que mudavam constantemente, consoante o conhecimento científico avançava, o que nos faz repensar a importância da confirmação da veracidade de notícias que consumimos e partilhamos no nosso dia a dia. Cabe aos Media, bem como a toda população, a responsabilidade de veicular notícias fidedignas, de acordo com as diretrizes científicas, que promovam corretamente a literacia em saúde.

Os Media Como Educador Médico 

Assistimos ao papel crescente dos meios de comunicação na sociedade em geral, sobretudo no que toca a conteúdo de rápida apreensão, como o que é veiculado através da internet. Contudo, para além do mundo online, também o tradicional “pequeno ecrã”, a rádio, as revistas e jornais são responsáveis por muito daquele que é o nosso conhecimento em determinadas matérias. A saúde não é exceção. Se, no passado, grande parte do que os utentes dos serviços de saúde conheciam acerca das doenças e seus tratamentos era fornecido pelo contacto com profissionais da área, nomeadamente médicos e enfermeiros, atualmente o panorama mudou. A medicina paternalista deu lugar à medicina partilhada. Cada vez mais o profissional de saúde é confrontado com informação prévia pesquisada de forma autónoma pelo doente. E aqui surgem diversas questões: 

Qual a veracidade do conteúdo que o utente encontra? Que impacto pode ter na relação médico-doente essa informação, quando não corresponde à prática médica mais correta e efetiva no contexto atual?

Em 2007 foi publicado na Acta Médica Portuguesa um artigo da autoria de Silvina Santana e A. Sousa Pereira, que procurava analisar a forma como os cidadãos portugueses utilizavam a internet para questões de saúde ou doença, as características dos utilizadores e os efeitos reportados pela sua utilização no relacionamento com os profissionais de saúde.

Através da aplicação de questionários a uma amostra populacional, os investigadores perceberam que, em vários dos utilizadores da internet, a informação encontrada os levou a colocar perguntas ao profissional de saúde. O artigo concluía que “apesar de não contestar a importância do profissional de saúde enquanto fonte de informação, a Internet começa a tornar-se uma importante fonte de informação nesta área para os Portugueses, sendo de prever um aumento na procura de serviços de saúde disponíveis na Internet, o que provavelmente terá implicações na relação médico-doente”. Para além disso, deixava em aberto o seguinte: de que modo se poderá saber como cidadãos com diferentes capacidades e experiências educacionais utilizam a informação obtida na Internet?

Uma tese de mestrado desenvolvida em 2006 (por Lídia Ferreira, do ISCTE-IUL) fez um levantamento de perceções dos médicos portugueses face a esta temática. Debruçando-se sobre a influência da internet no utente, a autora enumera os vários fatores que levam à necessidade de informação pelo mesmo, nomeadamente: o reconhecimento de um problema; o interesse na procura de solução; a avaliação das soluções possíveis; a experiência relativa a uma das soluções; e a adoção de uma solução.

Já nesta altura se compreendia que o utente exige cada vez mais informação sobre o seu estado de saúde, bem como a sua participação na decisão do processo de tratamento. Este estudo concluiu que a troca de informação entre médico e utente parece ter-se tornado mais ampla, uma vez que o conhecimento do utente é mais abrangente, o que parece originar uma aproximação informal na relação entre ambos. Esta alteração pode ter consequências ao nível da relação de confiança, uma vez que pode parecer que o utente está a confrontar a autoridade do médico. De acordo com os resultados deste estudo, o utente deveria ser reeducado, de forma a compreender que a informação na Internet pode ajudar a contextualizar ou a ter uma noção da sua patologia, mas nunca deverá este meio ser utilizado para o tratamento de uma doença. O autodiagnóstico e automedicação resultantes da interpretação da informação seriam dois riscos a eliminar com esta reeducação.

Num artigo publicado em 2015, no Expresso, é ainda relembrado o fundamental no meio de tantos porquês: a importância de saber pesquisar, ou seja, a literacia em saúde. Está provado que doentes bem informados têm melhores resultados clínicos e menos complicações. Contudo, se olharmos para resultados de inquéritos de literacia em saúde recentes, facilmente se percebe que grande parte daqueles que procuram informação não o faz da forma mais correta. 

Apesar dos benefícios inerentes à utilização dos media pelos cidadãos, importa relembrar que os riscos são reais e incluem a propagação de informação errada, desatualizada e que constitua motivo de alarme para o utente. Porém, existe algo que é indiscutível – o médico da atualidade tem que ser capaz de lidar com os vários aspetos relacionados com a propagação de informação sobre saúde pelos media, quer sejam positivos ou não.