Em fevereiro de 2018, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou a Lista Blueprint de doenças prioritárias que poderão constituir uma ameaça à saúde mundial. A ideia de criar esta lista surgiu após a emergência do ébola na África Ocidental (em dezembro de 2013). De acordo com estatísticas da OMS, o surto de ébola entre 2014 e 2016 (e o maior de sempre desde a descoberta deste vírus em 1976) teve 28616 casos suspeitos e/ou confirmados, além de 11310 mortes na Serra Leoa, Guiné e Libéria, o que desencadeou investigações céleres para criar uma vacina que fosse eficaz contra esse vírus, num curto espaço de tempo. Desde então, a OMS publica anualmente uma lista de doenças a privilegiar, consoante dois critérios-chave: o potencial de causar uma epidemia (com alto risco de disseminação e, portanto, uma emergência de saúde pública) e a inexistência de contramedidas adequadas para responder a esse problema.
Esta lista é composta não só por nomes familiares, como o vírus Ébola, o Zika e a febre de Lassa, mas também pela “Doença X”, que aparece no final, sendo provavelmente a mais enigmática de todas. A questão que se coloca desde o início é: existe alguma Doença X?
Na realidade, a Doença X funciona quase como metáfora para uma epidemia futura ainda oculta ao nosso conhecimento, mas para a qual devemos estar preparados. A Doença X é uma hipótese. Um espaço a preencher. Emite um alerta de que pode ser qualquer coisa, desde bactérias, vírus ou outros agentes patogénicos desconhecidos e, caso apareça, teremos de a enfrentar enquanto problema de saúde pública, quer no controlo epidemiológico, quer a nível do diagnóstico precoce. O grande objetivo da OMS é então planear e construir soluções para estes cenários, ainda incógnitos.
O próximo pensamento é: qual será a origem da Doença X? Poderia esta doença misteriosa ser uma zoonose? Se pensarmos no exemplo do vírus ébola, uma das epidemias mais recentes da história, tudo começou na Guiné, quando uma criança com 1 ano e meio de idade (“o paciente zero”), após contacto com um animal infetado pelo vírus, manifestou um quadro clínico caracterizado por febre, fezes negras e vómitos, tendo falecido 2 dias depois. A Doença X pode perfeitamente ser causada por um agente patogénico cuja existência prévia ignorávamos. Em 1999, o vírus Nipah foi responsável pela morte de 109 pessoas na Malásia (tendo sido os suínos os hospedeiros intermediários) e nunca se tinha mencionado o vírus antes de 1998. Olhando de relance para algumas das pandemias mais notáveis registadas na história, destacam-se: a Peste Negra, no século XIV, com mais de 50 milhões de mortes na Europa em menos de uma década e a Gripe Espanhola, no século XX, causada pelo vírus H1N1 e que infetou um terço da população global, com cerca de 50 a 100 milhões de mortes a nível mundial. Já para não falar da infeção por VIH, que eclodiu no início dos anos 80 e provocou, até à data, cerca de 35 milhões de mortes.
Por outro lado, a Doença X também poderia partir de um acidente ou ataque terrorista. Os humanos têm usado as doenças como armas desde 1500 a.C., quando os hititas enviavam pessoas infetadas com peste para territórios inimigos. Na história mais recente, tanto os Estados Unidos como a União Soviética experimentaram armas biológicas, sendo o antraz um dos exemplos, uma vez que pode ser armazenado durante décadas e continua a ser perigoso, não se sabendo quantas ex-repúblicas soviéticas ainda possuem estoques de antraz mal protegidos.
Posto isto, que futuro se projeta para a Doença X? Quando vai aparecer? Na realidade, ninguém sabe. Muitas epidemias explodem mais por falha dos sistemas de saúde do que pelos agentes patogénicos em si. Afinal de contas, aquilo que lhes permite disseminar são as medidas de controlo inadequadas – se fossem detetados e contidos rapidamente, os surtos nunca seriam tão agressivos. E, infelizmente, mesmo as melhores ferramentas de que dispomos na atualidade podem não ajudar a resolver o problema que te(re)mos em mãos.
Será que estamos prontos para responder a eventuais emergências de saúde pública? Basta pensar no agora, com o surto de sarampo em Portugal, que se revelou uma surpresa. A previsão de diminuição dos casos tem-se atrasado cada vez mais no tempo, à medida que aparecem mais doentes afetados, tornando-se num verdadeiro desafio, por ser uma doença tão contagiosa. Os registos de abril já apontavam para mais de 100 casos de sarampo, sendo que cerca de 80% dos casos confirmados eram em profissionais de saúde. Precisamos, indubitavelmente, de priorizar esforços e antecipar o que poderá acontecer.
É certo que ainda existem muitas melhorias a fazer nos sistemas de saúde: é urgente desenvolver sistemas que detetem e permitam combater, precocemente, as epidemias; é essencial que haja apoio financeiro na investigação científica e alocação de recursos para travar estas doenças; é fulcral ter receitas personalizáveis para criar novas vacinas, fármacos e, acima de tudo, alcançar toda a população possível.
“Não sabemos de onde virá a próxima ameaça” – refere Thomas Frieden, ex-diretor do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) – “Mas estamos certos de que haverá uma próxima vez.” E devemos estar preparados para a Doença X, não importa qual seja o X.
Cláudia Sofia Mourato da Silva, 5.º ano
Ilustração por Nazary Koval, 3º ano