Encontramo-nos a viver algo que nunca pensámos experienciar.
Sinto que entrei numa bolha e a vida real apenas parece um pesadelo.
De repente, os abraços foram trocados pelas videochamadas, as pausas para café entre aulas foram trocadas por caminhadas solitárias pela casa, as aulas em conjunto na faculdade trocadas por horas seguidas à frente do computador. Muita coisa mudou, para não dizer tudo. Ganhámos medo ao desconhecido que se avizinha. Medo de nos aborrecermos em casa nos dias que nos esperam. Medo que a inconsciência das pessoas persista, apesar de todos os avisos que estão a ser feitos. Medo que este vírus imprevisível chegue a alguém que conheçamos, e que esta situação deixe de ser algo que “só acontece aos outros”.
É quando somos obrigados a parar e quando olhamos para a nossa vida que percebemos a verdadeira importância das pequenas coisas. Faz-nos valorizar cada pequena coisa que nos é dada, cada pequeno momento que vivemos. Quantas vezes, há dois meses atrás, pedimos para parar? No meio de um semestre e de uma época de exames de loucos, muitas foram as vezes em que implorámos por tempo para descansar, por mais 5 minutos de sono de manhã, em que desesperámos no meio de tudo o que tínhamos para fazer, que parecia não ter fim. Quantas vezes, há uns meses atrás, nos levantámos de manhã para mais um dia rotineiro e refilámos por ser só isso, só mais um dia normal?
Somos uma espécie com bichos carpinteiros na alma, como se nunca a pudéssemos deixar descansar, como se nunca quiséssemos que a paz assentasse em nós. Não nos satisfazemos rápido e queremos sempre estar onde não estamos. Temos a língua inquieta por natureza, e lamentarmo-nos por tudo e por nada entretém-na. Até que o inesperado chega, até que nos tiram o chão. E de repente, tudo aquilo de que refilámos parece tudo o que é verdadeiramente importante.
Se antes implorávamos para que o tempo não se apressasse, de repente vemo-nos a pedir o que nunca pedimos até hoje: pedimos que o tempo passe, e rápido. Para que leve consigo o pesadelo que estamos a experienciar, mesmo que de longe. Que leve tudo isto, e que traga de volta a rotina que chamámos de aborrecida vezes sem conta. Que traga as viagens de metro em sardinha enlatada, os almoços barulhentos, as aulas que nos fazem querer fugir da faculdade, os encontros inesperados no meio dos corredores. Que traga as lancheiras e as filas nos microondas, os lamentos por não haver mesas livres no Egas ou por auto estar mais quente que o Saara. Que traga a magia presente em cada dia vivido neste sítio. O sítio onde, agora, centenas de profissionais de saúde estão a dar tudo o que têm para que todo este pesadelo acabe rápido, com o menor número de vítimas possível.
Sem que nos apercebamos, tudo isto não vai passar de uma memória menos boa. Façamos a nossa parte para que acabe rápido.
A rotina há de voltar. Vai tudo voltar ao normal.
Texto: Inês Pinto - 2º ano
Ilustração: Inês Pinto - 2º ano