Tenho por hábito ser um indivíduo particularmente chato e ligeiramente invejoso. Por essa razão, quando os media e as redes sociais se levantam em uníssono idolatrando este ou aquele, cresce em mim uma enorme vontade de me assumir “do contra”, o que frequentemente me leva à pesquisa de mil e um argumentos que possam ajudar a refutar a opinião do público geral. É certo que o resultado destas iniciativas me oferece mais atrasos no estudo do que sucessos em discussões com amigos e família, contudo não raras vezes acabo por me aperceber de realidades interessantes. A mais recente descoberta surgiu enquanto tentava desconstruir a ação de uma adolescente sueca (a quem, para variar, acabei por reconhecer mérito) e combina os jovens, a sua (in)ação e uma sociedade castradora.
Primeiro, deve manter-se presente que o jovem é irremediavelmente um ser inquieto, seja por fora ou por dentro, embora para tal tenha desculpa. Repare-se que com o término da infância e a entrada na juventude, o nevoeiro protetor da inocência começa a desaparecer, levando a que o ser humano se redescubra a si e aos outros num mundo imperfeito, em disrupção com grande parte das suas crenças primárias. Ora, o ajuste do indivíduo a esta nova realidade exige um longo e árduo processo de readaptação, onde dúvidas, desejos, físico e personalidade chocam, traduzindo uma existência turbulenta, mas não obrigatoriamente disfuncional. Todavia, uma percentagem preocupante de adultos olha com desprezo para esta “intranquilidade fisiológica” tomando os seus efeitos comportamentais por falta de respeito ou disciplina. Assim, escolas e pais tentam controlar ao máximo as manifestações dos jovens, espartilhando as suas áreas de interesse, menosprezando as suas reivindicações, baixando-lhes as expetativas, tirando-lhes aos poucos a sua natureza inquieta. Para o comprovar não são necessárias as minhas pesquisas, porquanto as nossas histórias pessoais tratam de o demonstrar.
Na minha opinião, esta campanha dissuasora contribui para a génese de um fenómeno crescente nas redes sociais – a pseudo-ação - a atividade através da qual um jovem escreve e partilha manifestações de revolta contra um dado assunto, sem que exista uma vontade concreta de participar num verdadeiro movimento de mudança que altere esse paradigma. É o que ocorre quando alguém, em choque, partilha imagens de seres vivos presos em plástico, mas continua a privilegiar a compra de garrafas de água desse material à hora de almoço. Ou quando se chora a perda da biodiversidade na Amazónia, ao mesmo tempo que se ignora o impacto ambiental de um novo aeroporto no Montijo. Não se trata de puro egocentrismo ou inconsciência, mas sim da solidificação de uma noção de que se é insuficiente para se fazer a diferença, que se manifesta através de atos incongruentes.
Não obstante, o fenómeno de Greta Thunberg tem-se erguido recentemente como uma faísca percursora, que relembra os jovens da sua proatividade reprimida. Observar como uma rapariga de 16 anos ousa faltar às aulas (aquele bicho-papão com importância divina para muitos pais) para defender aquilo em que acredita diante dos decisores políticos do seu país serve de um exemplo que facilmente os consegue inspirar, mostrando-lhes que qualquer um tem uma voz que merece ser ouvida. Neste sentido, a sua influência na mobilização de milhões de estudantes nas Greves Climáticas, que se espalham por todo o globo, tem tanto de mediático como de natural, visto que tudo o que Greta se limita a fazer passa por acordar os seus pares para as suas verdadeiras capacidades.
Ainda assim, este poder instigador permite que os jovens se apercebam de outro ponto relevante: a única forma de serem ouvidos é a partir da sua união em torno de uma causa comum, pelo que a ação de cada elemento conta e é fundamental. Efetivamente, raros são os casos na História de um jovem que, por si só, foi capaz de inverter a ordem vigente. A aluna Emma González, por exemplo, conseguiu pressionar o Estado da Florida a promover leis de controlo de posse de armas, conquanto muito por ter sido apoiada em diversas ocasiões por milhares de colegas de outras escolas americanas. Já Amika George logrou que o governo do Reino Unido financiasse a aquisição de produtos de saúde para distribuição gratuita em várias escolas e faculdades britânicas, contudo tal teria sido bem mais difícil sem o apoio das duas mil pessoas que a ela se juntaram numa manifestação em dezembro de 2017. Mas há mais! De facto, a lista de demostrações do poder da união juvenil prolongar-se-ia por longas linhas, passando ainda pelo Protesto na Praça Tian'anmen, pelo maio de ‘68 em França ou pelos movimentos estudantis portugueses durante o Estado Novo.
Resumindo, por mais que um jovem grite, a sua mensagem só será ouvida se obtiver um eco pelos seus pares. Por esta via, o peso dos grandes ativistas juvenis constrói-se a partir de uma base coletiva que lhe dá legitimidade, pelo que todos são agentes necessários no combate pela construção de uma sociedade melhor. Assim, e falando diretamente para ti, o mundo precisa que te revoltes, que acordes, que te inquietes. Afasta o medo da repressão, do julgamento e da impotência. Se é nosso o mundo de amanhã, então que nos juntemos para moldá-lo à nossa imagem.
Texto: Diogo Miranda
Ilustração: Felipe Bezerra - 3º ano