ÂNSIA CRÓNICA | (Sem título)

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Penso que escrever é algo que não é difícil, nem é algo que esteja vedado à maior parte das pessoas; não é uma habilidade pertencente apenas a uma elite intelectual etérea, acima de qualquer mortal. A partir daquele momento, verdadeiramente mágico, mas gradual, que é a aprendizagem do código universal da linguagem escrita, fica-se automaticamente apto para escrever o que quer que seja. A grande diferença entre o tal comum dos mortais e o Autor, de notar a letra maiúscula e o caráter gramatical próprio que torna este vulgar nome comum no coletivo de todos os grandes escritores, de livros de grande qualidade e bem sucedidos, entrevistas feitas e crónicas escritas em grandes jornais, é o facto de que o que aquele escreve tem significado, tem um tema, uma estrutura, um facto, uma história, uma palavra, uma mensagem subjacente que diz algo ao grande público. Penso que é esta a derradeira vitória do escritor verdadeiramente capaz: a procura bem-sucedida por algo que, ao ser lido, causa uma reação no leitor, não o deixa indiferente... Portanto quem quer que escreva deve fazer essa busca interior ou exterior, mental ou experimental, física ou metafísica por algo que suscite outro algo no leitor. É o que tento fazer nesta composição, nesta crónica, que é dos formatos mais livres e plásticos da literatura: falo, através da linguagem escrita, do sonho, e da sua tradução em algo escrito, como algo obrigatório para a homeostasia intelectual do Homem.

É uma necessidade decididamente primordial sonhar, tal como é viver. Aliás, o sonho é a forma de viver que a mente encontrou quando está anestesiada pelo sono, retemperador e sempre necessário. 

A forma que tenho de o recordar e exprimir é escrevendo, outra coisa a que não se deveria poder fugir (pelos motivos que apresentei linhas antes). Escrevendo, para outro ler, seja este outro o autor, o narrador ou o leitor, diferente ou igual ao autor, é codificar toda uma experiência, sensorial, sentimental ou intelectual em símbolo. À primeira vista, parece reduzir algo cerebral ou mental a meros caracteres escritos a tinta ou carvão. Mas não. Enganado estará o leitor, diferente de mim, que pense assim. É com esta derradeira vitória evolucionista do intelecto, intelecto este que nos torna humanos, individualmente, e humanidade quando contextualizados e agrupados “taxiologicamente”, que se partilham as tais experiências de quem escreve com quem lê, com as palavras encerrando significado, algo fulcral e que enche qualquer texto, linha ou palavra, e provocando outras experiências imprevisíveis ao leitor. 

É a natureza dessas experiências de leitura, juntamente com os elementos estéticos da escrita e outros possíveis detalhes, e a resposta a estas que tornam mágicas as composições escritas que se produzem constantemente.

Magia, o tal significado, aquele “algo” é o que se pretende, é o que se liga ao nosso coração e à nossa mente e nos diz que o conjunto de palavras escritas valeu a pena ter sido produzido (e que o sonho valeu a pena ter sido sonhado). Finalizo reiterando que penso que é algo ao alcance de todos. O sonho diz-nos, a cada um de nós, que o escritor verdadeiramente capaz vive dentro de nós: nuns ele já saiu, já está descoberto; noutros esconde-se ainda, teimoso e tímido. O verdadeiro pesadelo é deixá-lo morrer quando o corpo, já velho, se tornar torpe, podre e morto; a Humanidade perde, sempre que morre um ser humano, uma história, uma crónica, aquele “algo”. Não devemos não escrever. Não podemos não escrever...

Texto: Diogo Cunha - 2º ano

Ilustração: Felipe Bezerra - 3º ano