A água cai límpida da açude,
Escorre por entre os quelhos
Recalcados nas velhas pedras.
Eu lá observo.
E observo com o meu amor.
Sentado na margem do rio,
Penteio os meus cabelos
Com uma escova de cerda
Enquanto ele lava meu corpo nu.
Torce o pano que me limpa,
No rio sereno e sem tempo,
E o sangue das minhas feridas
Conjuga-se na sua matéria de ser
Rio sereno e sem tempo.
Água tão límpida
Cai-me sobre o peito
Sobre o colar de chumbo.
E sobre os olhos: beladona
Do meu belo amor.
Dedaleiras soam ao vento
Como sinos ao entardecer.
Como é belo amar enquanto brinco
Com a serpente que
O braço me estrangula.
E lá observo,
E observo com o meu amor,
Que o que impede esta água
De abrir novos vales
É saber para onde vai
E, seja esse destino bom ou ruim,
Este rio vai morrer assim.
O meu amor canta-me cantigas
E suspira baixinho.
Canta e tudo vira luz,
Tudo vira treva,
Tudo vira amor,
Tudo vira ódio.
Enterra os pés na areia enquanto
Me beija os lábios em sangue
E espeta as suas unhas
Na minha carne pálida.
E a água cai límpida na açude
E o sol reluz quente nos abrolhos.
Contigo só vejo isto,
Beladona, menina dos meus olhos.
Texto: Uriel Porto Cruz
Ilustração: Felipe Bezerra - 3º ano