FEIRA SOLIDÁRIA | O Sonho

Tiago Fernandes 5° ano.jpg

Se tu soubesses as vezes

que fechei os olhos

e desejei não estar onde estou

quantas vezes sonhei,

ouvir-te cantar

como as Sereias

aquelas que encantavam os navegadores

e os levavam até ao fundo do poço

Ouvi histórias sobre pessoas

que atravessavam o oceano

usando apenas a tábua do Titanic,

Mães e Pais

que cruzavam perigosos mares

engolindo pequenos goles de água 

trazendo consigo

nada mais, nada menos

que pequenos latidos de socorro

nas suas já fracas cordas vocais

No meio da imensidão de corpos

aqueles que resistem,

são meramente enjaulados

em decrépitos cubículos

sem uma palavra, sem um gesto

apenas os rostos de sua família

se salvaram

na sua imaginação

e os gritos silenciosos

de fome

da sua família

a consumi-los

Qu'est-ce que je fais ici 

اريد الذهاب للبيت*

can i go please

Lütfen bana yardım et *

As palavras nas mais diversas línguas

ecoam na penumbra

como efémeras bolas de sabão

A dor e sofrimento, presos

nas suas secas gargantas

sem alimento

sem boas novas

sem esperança

o verdadeiro espartilho da alma

Fechei os olhos de novo

Senti a brisa da noite quente

Naquela em que dançávamos ao luar

e tu, quase sem saberes

quase sem te dares conta

me fazias sorrir, assim

como se eu fosse ainda criança

a abrir os presentes,

que nunca tive

Aí, peguei num lápis que não tinha

num talento que não possuía

numa tela que eu encarnava

e desenhei-te, 1001 vezes

pelas 1001 noites...

e quando acordei,

 tudo não passava de um sonho

de um sonho do lusco fusco...

*árabe e curdo, respectivamente (quatro linguas da quadra são as mais faladas pelos refugiados)

Texto: António Lopez - 2ºano

Ilustração: Tiago Fernandes - 5ºano