Se tu soubesses as vezes
que fechei os olhos
e desejei não estar onde estou
quantas vezes sonhei,
ouvir-te cantar
como as Sereias
aquelas que encantavam os navegadores
e os levavam até ao fundo do poço
Ouvi histórias sobre pessoas
que atravessavam o oceano
usando apenas a tábua do Titanic,
Mães e Pais
que cruzavam perigosos mares
engolindo pequenos goles de água
trazendo consigo
nada mais, nada menos
que pequenos latidos de socorro
nas suas já fracas cordas vocais
No meio da imensidão de corpos
aqueles que resistem,
são meramente enjaulados
em decrépitos cubículos
sem uma palavra, sem um gesto
apenas os rostos de sua família
se salvaram
na sua imaginação
e os gritos silenciosos
de fome
da sua família
a consumi-los
Qu'est-ce que je fais ici
اريد الذهاب للبيت*
can i go please
Lütfen bana yardım et *
As palavras nas mais diversas línguas
ecoam na penumbra
como efémeras bolas de sabão
A dor e sofrimento, presos
nas suas secas gargantas
sem alimento
sem boas novas
sem esperança
o verdadeiro espartilho da alma
Fechei os olhos de novo
Senti a brisa da noite quente
Naquela em que dançávamos ao luar
e tu, quase sem saberes
quase sem te dares conta
me fazias sorrir, assim
como se eu fosse ainda criança
a abrir os presentes,
que nunca tive
Aí, peguei num lápis que não tinha
num talento que não possuía
numa tela que eu encarnava
e desenhei-te, 1001 vezes
pelas 1001 noites...
e quando acordei,
tudo não passava de um sonho
de um sonho do lusco fusco...
*árabe e curdo, respectivamente (quatro linguas da quadra são as mais faladas pelos refugiados)
Texto: António Lopez - 2ºano
Ilustração: Tiago Fernandes - 5ºano