(Soa um piano)
O teu olhar era como a fúria das ondas ao embater na praia quando Posídon, o treme-terra, está aceso em ira.
O teu olhar era como a saudade de Ulisses, cheio de vontade de regressar a casa.
O teu olhar era como um corpo que apetece como um barco, oscilando na tarde cálida e calma, docemente.
O teu olhar era como o pôr do Sol sobre o mar cor de vinho.
O teu olhar era como uma casa caiada de branco.
O teu olhar era como o sorriso duma criança e doía como o choro de uma criança, cujas lágrimas eram tão salgadas quanto o sal que foi atirado sobre as cinzas de Cartago.
O teu olhar era como a noiva de um marinheiro que nunca regressou, de mantilha negra e descalça sobre a areia.
O teu olhar era como a ansiedade que Eros e Thanatos semeiam nos corações.
O teu olhar era como uma solidão azul e marí(n)tima.
(Entram os violinos)
O teu olhar era como se alguém me segredasse ao ouvido: Les sanglots longs des violons de l'Automne...
O teu olhar era como aquela ilha verdejante de que o navegadores antigos falam e poucos acharam.
O teu olhar era como ouvir o canto misterioso das sevilhanas no porto de Cádis.
O teu olhar era como a manhã resplendente, tocada pelas mãos róseas da aurora.
O teu olhar era como um naufrágio inevitável.
O teu olhar era como a púrpura da Fenícia.
O teu olhar era como a rede dos pescadores do mar da Galileia.
O teu olhar era como a faina do povo, orgulhosa e rústica.
O teu olhar era como uma canção francesa que ouvi quando embarquei para a guerra.
O teu olhar era como o sangue que derramámos no outro lado do mar.
O teu olhar era como o oceano imenso que trago cá dentro do peito.
O teu olhar era como uns descobrimentos.
E porque a morte não é eterna, guardarei o teu olhar.
05.01.20
Texto: João Almeida- 1º ano
Ilustração: Eduarda Costa - 6°ano