Portas, escadas, paredes. Procurei-me. Perdi-me. Perdi-me. Procurei-me. Andava eu na subida infinita, decidido na chegada ao topo, nem perto nem longe deste, quando se fecharam portas, ergueram-se paredes nunca vistas que já existiam, deu-se a quarentena. Até essa data já tínhamos por hábito viajar, íamos juntos, eu e ela. A partir daí, portas, escadas, paredes. Não me esgotou saber que não sabia o que iria acontecer, não me esgotou saber que era o início de uma época diferente para todos nós, esgotou-me ela, com a sua incessante mania de viajar livremente por caminhos que não exigem sair à rua, os caminhos escuros do meu ser. Esgotou-me a falta do falar e de me aproximar das pessoas que mais perto adoro ter. Esgotei-me eu. Ao início não me apercebi o quanto me poderia afetar esta nova forma de existir. Comecei por refugiar-me nos meios de comunicação digital, não eram suficientes, dediquei-me totalmente aos estudos, erro meu. Passou um terço do ano em que tudo o que vi foram portas, escadas, paredes. Sei que o mais certo teria sido arranjar formas de evadir, livros, filmes, música, mas a questão continuava, faltava o toque que pensei não precisar, até que me agoniei pela sua falta.
Como se não bastasse ter-me perdido enquanto estava encarcerado com ela, assim que as portas voltaram a abrir e deixou de haver tantas paredes, talvez por estar fragilizado por um período que me trocou as voltas, deixei-me levar pelas doces palavras dele, eram fáceis de perceber, aconchegantes de se ouvir, reconfortantes. Cheguei ao ponto em que confiaria nas suas ideias de forma cega, até que eventualmente a vida nos acorda para a vida e percebemos que nem sempre o que pensávamos ser seria. As portas estavam finalmente abertas, mas o meu coração desta vez queria ser encarcerado, apenas com o dele. Magoei-me. Recuperei?
Apesar de tudo, as portas não se abriram completamente, abriram-se aos poucos, da mesma forma que, aos poucos, fui retomando a liberdade. Sair da quarentena foi quase como recuperar uma parte de mim que ficou não esquecida, mas suprimida. Reencontrar quem ansiava ver, voltar a ter a possibilidade de ansiar por conhecer alguém, experimentar coisas novas, ser livre. Mesmo assim, sinto e sei que continuamos todos encarcerados, uns com os outros, livremente, porque pouco importa se há quarentenas ou não para estarmos juntos. Eu sou eu, ela é a minha mente e ele, um amor perdido que reservou uma cicatriz no meu coração. Somos um. Graças a este período, complementei partes de mim que nunca entenderia tão rapidamente noutras circunstâncias. Consigo, agora, não só imaginar, mas compreender que todos nós temos o nosso ela e ele encarcerados no nosso ser, mas isso não nos impede necessariamente de ser livres. Tornei-me mais sábio. Depois de tudo isto continuo sem estar perto ou longe do topo que todos buscamos, mas pode ser que esta sabedoria me leve mais perto. Uma coisa sei, eu sou eu e o topo é a felicidade.
Autor: André Vares