I
Não pensei viver o suficiente
Para ver o dia em que me tornaria
Na minha mãe.
Vi no meu pavio curto
O sabor amargurado
Do fruto da árvore
Que não cai longe da sua vizinhança.
Apodreci.
Morreu um sonho de criança.
II
Aconteceu. Vi nas minhas próprias palavras os jeitos da minha mãe, no meu sarcasmo o seu desdém. Olhei para ele com a fúria que era de mim para mim pela autorrealização deste pesadelo de criança. Foi a única coisa que alguma vez prometi a mim mesma, numa ingenuidade crente, que não iria procurar constantemente uma razão para residir na amargura, que não ia pôr o peso nos outros daquilo que apenas me aflige a mim. A mim, a mim, a mim. Que não ia olhar o mundo como seu epicentro e acabei vítima de ser vítima.
Porque não dizia nada há alguns segundos, tempo a mais quando o rácio de emoções fortes por centímetro quadrado é elevado, ele repetiu que não me percebia. Disse que eu não tinha sempre razão (factual) e que não posso exigir que saiba sempre o que quero (porra, é verdade). O problema é meu, pensei. Os outros não são obrigados a obedecer às expectativas que eu criei, as quais não têm ideia que sequer existem. Será que a minha mãe também tem esta autoperceção? Será que por eu ter quer dizer que ainda há esperança para mim? Espero que sim.
Voltei a mim (e a ele). “Vou-te dar mais tempo do que eu dou a mim própria para perceber o que quero. Tempo suficiente para perceberes o que eu quero, o que tu queres e a sobreposição das nossas vontades.”. É mais fácil pensar nele como alguém que vive noutro fuso horário. Somos ambos carne e osso e dotados de inteligência, arte e amor, simplesmente chegamos às mesmas conclusões a diferentes horas do dia. Que seja a paciência a virtude que não herdei, mas construí. Que caia longe o fruto da árvore de onde nasci.
Autoria: Anónimo
Edição de Imagem: Catarina Simões