DATAS ESPECIAIS | Dia da Mulher

Edição de Imagem: Catarina Simões

Um Dia Que Se Repete

Acordo esperançosa no dia da mulher, que me permite uma reflexão sobre a metamorfose do nosso lugar na sociedade. Regozijo-me ao ver cada vez mais reconhecimento dos inúmeros papéis que desempenhamos. Por mais que o caminho até à paridade seja longo, penso-nos a caminhar no bom sentido. Gostava que a polaridade desta reflexão tivesse acompanhado o meu dia. No entanto, parecia estar tudo do avesso…

Dirijo-me ao escritório pouco antes do frenesim da hora de ponta. Sento-me no metro com a mala no colo. Entra atrás de mim um senhor de meia idade. Ocupa o banco do lado e expande as pernas, como se os seus joelhos estivessem a passar por um divórcio complicado. Encolho-me contra a janela, quase a fundir-me com o vidro. 

O dia começa com uma reunião com  um daqueles clientes a quem se chama educadamente complicado. O meu chefe de equipa insistiu que eu presidisse. Apesar de ser trabalho que não me compete, ele acha que sou muito paciente - esperava que pudesse antes admitir que sou competente. Faço-me acompanhar do Jaime,um colega que está sempre a par do meu trabalho.  

A reunião não levava meia hora, e já estava a ativar todos os planos de contingência para manter o ar impávido e sereno. Não bastava a rispidez e o descrédito no tom de voz, o fulano  passou o tempo todo a falar para o Jaime, mesmo depois de lhe ter indicado que era eu a dirigir a reunião. Pergunto-me como seria se, em vez do Jaime, tivesse trazido a minha colega Joana…

Saio frenética em direção ao café,  na esperança de apanhar o senhor Alberto bem disposto. Algum dia terá de acontecer. A meio caminho, uma senhora interpela-me. Tem olhos encovados e cabelo grisalho, uns setenta anos a julgar pelo semblante de simultâneo cansaço e ar estoico de quem não antecipa a tarde que cai. Estende-me uma gerbera cor-de-rosa num canudo de papel kraft. “Um feliz dia, menina!”  exclamou, sorridente. Agradeci, sorrindo de volta, e segui levando na mão o lembrete folhoso deste dia, presságio do que se avizinha. 

O café do senhor Alberto conta com a mesma meia dúzia de pessoas e pastéis de nata na vitrine. Aproximei-me do balcão. Franziu-se-lhe o sobrolho ao ver a flor na minha mão e nem me deu tempo de dizer ‘boa tarde’. “ Que mariquice, sabe que o que as mulheres mais nos dão são dores de cabeça!”  Numa tentativa hercúlea de não revirar os olhos, ri-me, quase em desespero. “Oh, Senhor Alberto, acordou com os pés de fora hoje? Então que mal é que lhe fizeram as mulheres?” “Olhe menina, se começar a falar da minha mulher, não saímos daqui hoje” disse, carrancudo, entre risadas. Aposto que a mulher dele adora esta piada. “Só não percebo a necessidade de haver um dia para as mulheres. Então e o dia dos homens?” Continuou Alberto, barista de profissão, ativista de bancada nas horas vagas. O que eu oiço por um pastel de nata…

A tarde segue com uma tarefa de recrutamento para uma nova rececionista. Ao entrar no escritório, passo pela fila de jovens que aguardam sentadas, de papéis no colo e flores em riste.  Escolho chamar de entre o lote a mais convencionalmente atraente, como se de uma vaga para modelo se tratasse, tentando antecipar o supérfluo julgamento do meu chefe. O instinto não me falhou: entrevistadas todas as candidatas, ficou a primeira que escolhi. “Muito competente e assertiva, não achas?” Perguntou. 

Regresso ao conforto das paredes da minha casa, onde sou recebida pelo meu filhote com entusiasmo distinto. “Mãe, olha o que fiz na escola hoje!» Apressou-se a retirar da mochila um canudo de papel, com um desenho que assumi ser o meu retrato, adornado com uma capa vermelha. “És tu, mãe! Uma super-mulher!”

Autoria: Ana Rita Peixeiro e Pedro Sousa

Minha Menina

Minha menina,

Teu pronome é d’Ela,

Não importa se tens nome ou cara

Que o mundo define-te p’lo ventre.

Esta é a tua sina

Mesmo que não queiras ir em frente

E quando toda a convenção te para 

Desistes de partilhar a tua tela.

De novo a tão certa dor mensal

E passa se o analgésico tomar!

Já as outras... conservo por ser hábito passional! 

Onde se pede com sentimento

À ordem que do tudo faz nada?

Pode ser coisa do feminino

O respeito pela igualdade,

Mas devia estar no regulamento

Por ser um direito viver a sério a liberdade! 

“Dispa-se! Deite-se” – aqui vai mais um dia cretino. 

Será isto o patriarcado ou é assim no hospital? 

É dramático o teatro da maternidade

Entre milagres e gritos de guerra

Que uma mãe não foi só educada

Para a feitoria do jantar.

A mulher continua a ser uma fada

Seja do lar ou da ficção

E é sensual a misoginia

Que nos lisonjeia de perversão.

Vai longa a tempestade

Para as netas da nação!

Minha mãe lá do alto da serra

Disse-me que não podia andar sozinha 

Apesar de já ser uma mulherzinha,

Mas nutrida pela teimosia da emancipação 

Fui à procura das insensatas brigas. Vagueio agora pela noite sem companhia

E sinto que preciso das minhas amigas.

O perigo espreita e eu corro,

Mas desta vez descontrolei-me na indecência: 

- “Porque não me dás o teu coração?”

Ela rejeitou negociar a sua independência Por não confiar na armadilha

E ao longe viu confirmar-se:

- “Tem de tomar esta contraceção

Por ser seu o peso da responsabilidade

E assim foi sempre de filha em filha

Que a lenda ainda hoje anda errada.

Se sentir a injusta opressão,

Na dúvida faça uso do NÃO, muito obrigada!


Autoria: Catarina Monteiro