POETAS DE ESTETO NA MÃO | A Guerra

Meu filho, resguardei-te nos meus braços,

Quando os mísseis caíram, de manhã,

E observei, através dos olhos lassos,

Que já não existia um Amanhã.

Tudo tremia, a cada explosão.

E eu revivia a noite do dia antes:

O medo, a dor e a última paixão.

Então levei ao céu mãos suplicantes.

Rezei por esperança, se existia.

A cólera acendeu-se no meu ser!

E a dor, a grande dor que me feria:

Ali estava, incapaz de proteger.

E perguntavas pela tua mãe;

Eu menti-te com toda a minha força:

“Hoje a mãe não se sente muito bem…”

(Era como o bramido de uma corça

O choro de órfãos e dos mutilados,

Dolorido e manchado do seu sangue.

Nas praças e nos bairros desolados

Restava a gente anónima e exangue).

Fúteis impérios trazem arsenais

De mentiras: “justiça”, “paz”, “nação”.

Mas para eles já não somos mais

Vidas – apenas carne pra canhão.

Não sabias que a mãe não respirava,

Ou que eu tinha chorado a noite inteira.

E, quanto mais a noite se adentrava,

Mais a vi como a noite derradeira.

Tu, filho, continuavas inocente,

Não estranhavas não ter a mãe connosco.

Eu dizia “Ela dorme, calmamente”,

Enquanto preparava um jantar tosco.

Mas tudo cessou, para meu espanto.

“Desenha, brinca!... Não perguntes mais!”

“Mas, ó pai, a ferida dói-me tanto!”

Algures começaram funerais.

Os morteiros pararam, por momentos;

As igrejas chamavam os fiéis.

Os segundos seguiam, mas tão lentos,

Que até me pareceram ser cruéis!

Um carro armadilhado rebentou,

Símile a um Sol doente, falsa luz!

Desfez-se o mundo em cinza – e cinza sou.

Em vez de paz, ofereço-te uma cruz.

Um míssil cortou o ar, como uma fouce,

Atravessando com sons sibilantes.

A casa colapsou, o ar inflamou-se,

Arderam-nos os corpos em instantes,

Mas tu não sabes que nós já morremos

E na vala comum repousaremos…

Por isso faz aquilo que te peço:

Deita-te e fecha os olhos.

- Adormeço…

Autoria: João Almeida

Edição de Imagem: Felipe Bezerra