O mar está mais vivo do que vós. Com cada onda mortífera, ele respira. Ele engole o que lhe atiram sem piedade, engole navios inteiros e toneladas de plástico. Está debilitado, mas não tanto como vós.
Com cada maré cheia, uma inspiração.
É insignificante o que está à sua frente a bloquear o percurso predestinado pela lua, uma vez que, devagarinho, mas com persistência, ele acabará por lá chegar. Não interessa qual a falésia que protege a cidade da ira neptuniana, a água irá alcançar-vos. Este bem tão frágil e tão escasso do qual abusais diariamente é capaz de destruir pedra? É verdade… A água é mais forte do que a rocha, se tiverdes em consideração a passagem do tempo. Arribas desgastadas, casas desmoronadas, plantações dizimadas… Tudo devido à fúria aquática que fala por mim.
Temam criaturas humanas, temam a sua cólera, as suas cheias e a sua ausência.
Com cada maré vaza, uma expiração.
Achai-vos importantes na conquista dos quatro elementos e na consequente poluição dos meus subsistemas abertos? Que humanos asnos… Esquecei-vos do meu vasto império. Esquecei-vos de como dependeis da bolha de ar que poluís num ciclo vicioso de auto-sabotagem. Esquecei-vos de como sou o sustento dos vossos corpos, sou o solo fértil que vos alimenta, sou todos os combustíveis fósseis, intrínsecos nas vossas máquinas... Nas terríveis máquinas eletrónicas que vos transportam, interligam e educam, enquanto vós as venerais. Esquecei-vos de todos os seres que me habitam, que habitam o meu mar e como ele habita todos os seres. Mas mais importante do que tudo isso, por lapso, esquecei-vos de como dependeis dele, do oceano, da água, qual endossimbiontes.
Como abusais de mim, vossa mãe Terra…
Com cada inspiração vossa, mais químicos desfazem as vossas células, mais perto estão da vossa sepultura. Que masoquismo é este? Em vez de um ar puro, escolhestes contaminá-lo! Em vez de um guarda sol de ozono, optastes por rasgar o seu tecido! Porquê? Que venha a radiação ultravioleta! Seja bem-vindo o cancro! Em vez do equilíbrio no ecossistema entre espécies, preferistes a solidão egocêntrica. Em vez do uso cuidado e responsável dos bens materiais que vos dispus, decidistes esgotá-los e perdê-los. Agora, tereis de arcar com as consequências.
Humanidade, entendei: deveis a mim cada expiração feita, deveis a mim toda a vossa vida, pois vos concedi tudo o que necessitaríeis para viver até ao óbito solar. No entanto, em vez disso, escolhestes as vias céleres, o caminho fácil para os fracos. E agora, com todo o contínuo erro exponencial, correis o risco das vossas respirações cessarem-se. Porém, tal não me aflige. Afinal, em última instância, eu (com o mar, com o solo e com o ar) continuarei a existir neste sistema solar.
Após a vossa extinção, estou certa de que haverá uma nova espécie que vos substituirá, como tantas outras vezes já aconteceu. Eu irei reabilitar-me do mal que me fizeram, as minhas feridas irão cicatrizar. Todavia, entristece-me a despedida que aí vem inevitavelmente…
Criaturas obtusas, porque é que agiram assim quando a vossa espécie tinha tanto potencial?
Ainda há tempo para reverter o vosso fim! Tentem e eu perdoar-vos-ei. No entanto, terão de agir depressa, senão simplesmente passarei ao próximo a oportunidade de estar nesse vosso lugar. Acreditem: sois os únicos que neste dilema têm algo a perder, porque, quando a vossa existência terminar, a minha irá prosperar e a dos que vos hão de suceder também.
Texto: Madalena Filipe - 1º ano
Ilustração: Felipe Bezerra - 3º ano