Legalização da Prostituição

A seguinte entrevista é um complemento ao artigo "Legalização da Prostituição" da autoria do Antonio Lopez que será publicado na XXXI Edição da RESSONÂNCIA. Esta edição é completamente digital e será lançada dia 17 de julho!

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Apresento-vos a Maria, nome fictício, 35 anos, ascendência brasileira, viveu quase toda a sua vida em Portugal, no Algarve. Tem 2 filhos e após o divórcio ficou numa situação bastante difícil. Tinha 2 trabalhos em que trabalhava conjuntamente mais de 12 horas por dia de segunda a domingo e pouco ganhava. Não tinha tempo para a família e sentia-se exausta. Tudo piorou quando foi despedida de um deles sem o mínimo aviso. E aí todo o Mundo parecia descambar até que viu um anúncio promissor na internet e decidiu arriscar e a partir daí, a sua vida não foi a mesma…

Q: Maria como classifica o antes e depois de ter sido despedida do seu emprego há quase 5 anos?

R: Não tem como descrever, passei a fazer algo que nunca pensei sinceramente fazer. Depois de responder àquele anúncio a minha vida mudou para melhor. Tenho estabilidade financeira. Tenho tempo para os meus filhos. Tenho tempo para mim. É indescritível

Q: Conta-me, como tudo aconteceu, como foi toda a experiência até ao presente

R: Bem, quando eu respondi ao anúncio, deram-me uma morada de uma casa para ir ter. Lembro-me desse momento como se fosse hoje. Estava a tremer quando carreguei no botão da campainha. Atendeu-me uma senhora muito simpática, convidou-me a entrar. Gostei do sítio, a senhora explicou-me como tudo se passava. Iriamos receber clientes todos os dias e como deveríamos proceder. Deveríamos deixá-los à vontade, explorar os desejos dos mesmos e para que eles no final quisessem voltar. Tudo foi explicado ao pormenor, desde o tempo que os clientes ficariam, onde estava a roupa lavada, as toalhas. Fui depois apresentada às outras meninas. Algumas eram mais simpáticas que outras, mas acabei por fazendo amizade com quase todas. No final, a senhora explicou-me como seriam os valores e qual a parte que dava à casa. Não era difícil, entendi logo como as coisas funcionavam. Gostei do ambiente, senti-me segura, isso foi muito importante. Estive lá alguns anos a trabalhar…

Q: Mas e a parte psicológica e emocional? Como foi lidares com tudo?

R: Não é fácil. Foi mais difícil começar, mas ainda hoje não é fácil. Na altura que comecei os nervos eram maiores, a pressão para gostarem de mim. Ver o cliente chegar e não saber como ele é, se é simpática, se é mais frio, que tipo de fantasias tem, o que quer. É preciso saber ter algum sangue frio mas também estar relaxada para desfrutar dos momentos. Acho que o nosso melhor amigo é o tempo mas também ter paciência

Q: Gostas do que fazes? Se soubesses o que sabes hoje, terias feito algo diferente?

R: Eu gosto do que faço. Claro que tem dias bons, muitos bons e menos bons. Mas tento ser positiva e sorrir sempre para o que a vida me dá. Tendo as condições que tinha, não me arrependo de nada. Fiz o melhor que pude por mim, mas pela minha família, pelos meus filhos. Claro que sei que corri e corro um grande risco, mas valeu a pena por tudo o que consegui. Sei que se não tivesse sido despedida, talvez não tivesse seguido este caminho, e estar onde estou a falar contigo, mas aconteceu assim… Mas claro que não vou mentir que este não é o meu trabalho de sonho. E sei que de muitas meninas também não o é. Eu gostaria de ter seguido a área que estudei, terapias holísticas. Quem sabe se no futuro não o conseguirei?

Q: Sim, quem sabe Maria, nunca é tarde para lutar pelos sonhos. Mas diz-me, como encaras o que fazes? Como o descreves?

R: Quase todo o mundo chama de prostituição, que vendemos o corpo. Mas eu não o vejo assim…Respeito, mas primeiro não gosto muito da palavra prostituição, prostituta. No Brasil chamamos garota de programa. Eu para mim sou uma acompanhante, não de luxo, mas uma acompanhante. Presto um serviço, dedicando-me inteiramente ao meu cliente e faço o melhor que posso. Vender o corpo, todos o vendemos, um trabalhador na fábrica também vende o seu corpo. Eu presto um serviço em que durante o tempo que o meu cliente quiser, estarei com ele para que ele desfrute ao máximo. Ele me procurou por alguma razão, porque está necessitado. É muito importante gostar de sexo e conhecer o nosso corpo para fazer o que faço e também ter a mente aberta para explorar muitas coisas. Eu acho que, no fundo, naquele momento somos amigas, amantes, psicólogas, e tudo o que a mente alcançar…

Q: Que tipo de clientes recebes? Já tiveste pedidos muito invulgares?

R: Bem, um pouco de tudo. Homens de negócios, meninos novinhos a querer-se iniciar na vida sexual, velhinhos a querer mostrar a sua virilidade, mulheres. Sim é verdade, também mulheres nos procuram. Normalmente são pessoas divorciadas, solteiras, viúvas, mas também há muitos casados. Pedidos invulgares há sempre. Mas já me aconteceu pessoas quererem só estar deitadas, nus e falar. Já vieram padres também. Acho que o pedido mais invulgar foi para lamber sapatos…

Q: E podes dar uma ideia dos valores que são praticados?

R: Bem, há muita oferta diferente. Eu comecei por cobrar 30 por meia hora e 60 por uma hora quando comecei. Agora estou trabalhando sozinha e cobro 50 por meia hora e 80 por uma hora. Depois há preços variados se o cliente quiser deslocação, mas isso faço raramente, só se o conhecer bem. Sei que há meninas, acompanhantes de luxo que ganham mais de dez mil euros por mês, chegando a cobrar mais de duzentos euros por saída e mais de quinhentos euros por noite.

Q: Conheces o que a lei diz sobre a prostituição? Se sim, concordas e qual a tua opinião?

R: Sei que é legal o que faço, mas sei que as senhoras de casas como as que tive não é legal de momento. A minha profissão é um serviço que não é recente, tem muitos anos. Penso que não faz sentido uma coisa ser legal e outra não porque se uma menina for passar um tempo na minha casa e estivermos as duas com clientes já é considerado crime. Aconteça o que acontecer, sei que o que faço faz muito bem a muita gente. O sexo é muito mais importante do que o que muitas pessoas pensam. E infelizmente há demasiada gente que não tem outra possibilidade de satisfazer as suas necessidades sexuais e afetivas que não seja desta forma.

Não se deveria acabar com isto, mas talvez criar mais leis para proteger-nos. Sentirmo-nos seguras é muito importante. Sei de meninas que passaram mal porque tinha homens que mandavam nelas e lhes tratavam mal, isso sou contra.

Histórias semelhantes à da Maria provavelmente deverá haver muitas. Não devemos negar que existem Marias, mas sim protegê-las.

Autor: António Lopez

Ilustração: Felipe Bezerra - 3º ano