Desde criança que queria ser menina. Queria ser afável, prestável, simpática, alegre, educada e bonita. Queria ser indistinguível das minhas colegas. Mas não consegui. Não tenho senso nem sensibilidade, simpatia ou sociabilidade. Não tenho gostos, interesses ou maneirismos femininos. Não conseguia relacionar-me nem com raparigas nem com rapazes.
Criei uma máscara com base no que pensava que devia ser, enquanto rapariga e mulher, tão antiga que já não a consigo tirar. Mas esta máscara é frágil e defeituosa, e apesar de esconder quem sou, não mostra quem devia ser.
Durante anos acreditei que havia algo fundamentalmente errado comigo, que tinha nascido mal. Não era só um aspeto da minha personalidade que era diferente, era um grupo de atipias que não podia ser ignorado. Era disfuncional, mas não o suficiente para ser considerado doença. É um limbo solitário, que é difícil de explicar e compreender.
Através da internet procurei respostas, soluções, outras pessoas que se sentissem como eu. Nunca encontrei uma explicação para a maneira como sou, mas há pouco tempo encontrei mulheres como eu. Mulheres diferentes, de diversas naturalidades, crenças e classes, cujo único denominador é sentirem que há algo intrinsecamente errado com elas próprias.
O mais importante é que há aceitação sem concordância. Aceitamos que somos diferentes entre nós, porque sabemos o que é ser diferente, o que é ser o outro. Não nos temos de mascarar e não temos medo de ser excluídas por sermos diferentes, ao contrário do que acontece na vida real.
Entre todas, há múltiplas respostas, múltiplas teorias, múltiplas soluções e remendos. Algumas lidam com terapia, outras com medicação, outras com transição. Outras têm famílias e amigos que as apoiam, e conseguem pertencer com a sua diferença. Outras simplesmente continuam, com o alívio de que se estão sós, pelo menos não são únicas.
Autor: Anónimo
Edição de Imagem: Catarina Simões