No âmbito do Dia Internacional das Mulheres na Ciência, que se assinala a 11 de fevereiro, a Revista Ressonância traz aos seus leitores uma entrevista com a médica pediatra, investigadora e Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), Patrícia Costa Reis.
Laureada em 2019 com o Prémio “Mulheres na Ciência” e nomeada ao Prémio “Mulheres Inspiradoras 2020”, nesta entrevista a Professora levanta temas importantes, como o percurso na investigação científica, e reflexões sobre a representatividade feminina na ciência.
RevR: Se tivesse de descrever o seu percurso académico em 3 palavras, quais escolheria e porquê?
PCR: Escolheria Paixão, Resiliência e Partilha. Paixão porque ser médico, professor e cientista são atividades verdadeiramente gratificantes para mim e é a paixão que dá a energia para vencer os obstáculos. Resiliência porque é preciso ter força, perseverança e muita capacidade de trabalho para seguir este percurso. Partilha porque é o que dá sentido a tudo. Muito aprendi com os meus professores e orientadores e muito espero transmitir às novas gerações. Há ainda a partilha da descoberta conjunta em equipa, o que é um enorme prazer.
RevR: Contrariamente ao panorama mundial, Portugal destaca-se no número de mulheres que estudam áreas relacionadas com a ciência. Segundo a OCDE, Portugal encontra-se acima da média, comparativamente aos outros países que integram esta Organização. Que fatores acha que contribuem positivamente para este cenário?
PCR: Gostaria de analisar os números de uma forma diferente, uma vez que são muito elucidativos. Mundialmente estima-se que apenas 30% dos investigadores sejam mulheres. Nas posições de liderança em Ciência, este número é ainda menor. Por exemplo, menos de 5% dos galardoados com o Prémio Nobel em Química, Física ou Fisiologia/Medicina foram mulheres. São inúmeros os factores que podem contribuir para esta disparidade, incluindo factores estruturais da sociedade, culturais e educacionais. A Ciência e a Academia espelham o que se passa na Sociedade. Felizmente, em Portugal o número de mulheres dedicadas à Ciência é maior do que noutros países. Em Portugal 62% dos doutorados em Ciências Naturais, Matemática e Estatística são mulheres. Contudo, a proporção de mulheres em altos cargos académicos e executivos é de apenas 30% em Ciências Naturais e 11% em Engenharia e Tecnologia. Temos ainda um longo caminho a percorrer. Contudo, nas últimas décadas, há exemplos de mulheres cientistas de grande valor nas mais diversas áreas e em posições de liderança, que serão certamente exemplos que marcarão as próximas gerações, como é o caso de Maria do Carmo Fonseca, Maria Manuel Mota e Mónica Bettencourt-Dias. O futuro tem certamente muitos obstáculos, mas é promissor.
RevR: Se tivesse de escolher uma figura feminina que a inspire (cientista célebre, professora, colega, aluna, etc), quem escolheria e porquê?
PCR: Escolheria a Cláudia Faria, que como sabem, é neurocirurgiã no Hospital de Santa Maria, professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e cientista no Instituto de Medicina Molecular. A Cláudia é profundamente inspiradora. Dedica-se muitíssimo aos seus doentes e faz investigação de grande qualidade sobre os mecanismos moleculares que estão na origem dos tumores cerebrais, particularmente os pediátricos. Além disso, fomenta a paixão pela Ciência nos alunos de Medicina e em crianças de todas as faixas etárias. É muito desafiante e árduo ser um médico-cientista em Portugal e a Cláudia mostrou-me que é possível seguir este percurso no nosso país.
RevR: O que diria, se pudesse voltar atrás, à Patrícia com 18 anos acabada de chegar à faculdade? E à Patrícia no momento em que acabou o curso?
PCR: À Patrícia acabada de chegar à Faculdade diria para fazer Projectos GAPIC e conhecer melhor os excelentes grupos que fazem investigação no Instituto de Medicina Molecular.
À Patrícia que acabou o curso diria para aproveitar todas as oportunidades para fazer estágios clínicos e/ou de investigação em centros de excelência pelo mundo fora. São grandes ocasiões de aprendizagem não só técnica, mas também sobre modelos de organização de cuidados de saúde e formas de prestar cuidados aos doentes. São também momentos únicos em que se criam redes de investigação e profundos laços de amizade. Tive a oportunidade de fazer vários estágios que me marcaram e que foram determinantes para a minha aprendizagem. Diria também que é fundamental ter um bom equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal, o que é algo particularmente difícil na nossa profissão.
RevR: Por último, gostaria de deixar aqui algum conselho ou palavras de incentivo às jovens investigadoras ou a quem pretenda ingressar no mundo da investigação?
PCR: É um prazer enorme fazer ciência.
Como médicos cuidamos de doentes com determinadas patologias e da observação destes doentes surgem dúvidas e hipóteses que queremos testar. Ter a possibilidade de ir para o laboratório e tentar responder a estas dúvidas e tentar avançar com o conhecimento num determinado campo é fascinante. Um médico não se deve afastar da produção de conhecimento, porque a sua experiência diária e o seu entendimento dos doentes é enriquecedor para a atividade científica e pode guiá-la no sentido de se encontrarem novas formas de diagnóstico e de tratamento, que podem melhorar a qualidade de vida dos doentes. Fazer ciência é uma extensão da Medicina.
As três características fundamentais para um bom investigador são: ser curioso; ser resiliente e ser apaixonado pela Ciência. Se este for o vosso caso, não desistam e construam o vosso próprio percurso, escolhendo sempre bons mentores que vos guiem e ajudem ao longo do caminho que terão de desbravar.
Autor: Anamélia Almeida
Ilustração: Ana Paula Martins
Edição de Imagem: Guilherme Luís