XXXII Edição | Crónica

Nunca ninguém está à espera. Não parece real. E, de repente, ocupa a nossa vida, domina-a até. Os restaurantes fecham, os cinemas fecham, os estudantes vêm ter aulas para casa e os miúdos aprendem pela televisão. Paro e penso se isto está mesmo a acontecer. Num segundo sinto a emoção de estar a viver um momento histórico, no segundo seguinte pergunto-me o que é que isto significa a longo prazo. É este o nosso destino? Sermos escravos de uma rotina inevitável: do quarto para a cozinha, da cozinha para a sala e de volta ao quarto. Sair da cama é mais difícil. O sítio de estudo é o mesmo sítio dos convívios com amigos. É tudo uma mancha, onde os dias se misturam com as noites e não sabemos se é fim-de-semana ou não. Estamos presos dentro destas 4 paredes, mas tudo parece ruir lá fora. Somos estudantes de medicina. Chegámos até aqui porque queremos ajudar, queremos marcar a diferença. Mas chega o momento e não há nada que possamos fazer. Porque a melhor forma de protegermos aqueles que amamos é ficar em casa, por muito que nos custe, por muito que nos faça sentir impotentes.  

Vivemos uma altura onde a distância é uma forma de amor. Mas tenho saudades do abraço. Qualquer abraço. Ver os meus amigos na chamada zoom e não poder chegar a eles. Ver a avó e não poder apertá-la. Lembrar os abraços de capa negra e os momentos descompensados no Egas. Parece tudo uma realidade diferente. Noutra vida, em que tínhamos liberdade para tudo e nem sabíamos. Tudo se desvaneceu tão rápido, sem termos uma palavra a dizer.

E agora aqui estou. A única coisa que me resta é lembrar. Porque quanto mais fechada me sinto fisicamente, mais a minha cabeça viaja. Por tudo aquilo que pode vir, por tudo aquilo que passou, por todas as memórias queridas que guardo no coração. E, inevitavelmente, desejo voltar. A este mundo sem quadradinhos zoom, sem máscara, sem gel desinfetante na bolsa da mochila, sem cotoveladas em vez de abraços e sem 2m de distância.  É quase impossível não pensar naquilo que poderia estar a viver, mas não estou, porque chegou um vírus que decidiu pôr em pausa a vida. Mas o tempo não para, não faz pausa. E isso é frustrante.

Mas ao menos vivo na certeza de que, quando podermos voltar à normalidade, sair de casa e carregar nos botões do elevador sem ter de desinfetar as mãos, os abraços vão ser mais apertados. Quando podermos voltar à normalidade, entrar na faculdade sem usar uma máscara, os sorrisos vão ser mais bonitos. Quando podermos voltar à normalidade, ver os nossos avós sem barreiras, o amor vai ser mais genuíno. E agarro-me a isto. 


Autora: Leonor Carola