Todos podem, menos eu. Tudo pode, menos eu. E porque é que não posso? A sociedade não o permite. Dizem que é feio e não é assim. Dizem que não está correto. Não têm estofo para aguentar.
Os cães rosnam. O vento uiva. As ondas batem e rebatem e o mar revolta-se. E eu sou… só eu. Tenho de ser calma, compreensiva, feliz, perfeita. Só isso. Tudo o resto é secundário. E porquê? Não fui eu que escolhi, decidiram por mim. E eu nem deixei que decidissem, fizeram-no só.
Implacavelmente, foram incutindo normas e feitios e exemplos e quem disse que eu os queria seguir? Mas sigo, por bem de todos. Sigo para não perturbar a paz dos que vivem numa bolha e na ilusão de que este teatro é perfeito. Deixo-os acreditar nisso e em que sou uma personagem feita à medida para esta história inequívoca. Deixo os outros chorar, mas não os deixo conhecer nada mais do que o meu sorriso. Não que a minha vida seja pálida, clara e translúcida. Não é. Só deixo que acreditem que o seja e escondo a palete cheia de cores vibrantes e escuras que vejo à minha volta e fazem parte de mim.
O ruído inerente às pessoas é ensurdecedor. Torna-se impossível ouvir aquilo que se encontra envolto nessa nuvem espessa de cacofonia de sons avassaladores. A pressão social, a ânsia e obrigação de manter a imagem ideal e não poder deixar uma simples palavra fora do seu lugar pré-definido, essa necessidade de se ser perfeito e agradável que nos torna tão artificiais e que não deixa a fluidez do nosso ser e o som da nossa alma serem expressos. A capa pré-programada de escudos e mais escudos, de véus e mais véus, que não permite alcançar a naturalidade de todos e do mundo.
Deslizo suavemente pelo mar de aparências e ilusões que criámos para nós. Não quero ir para onde a maré vai, mas vou. Desculpo-me, tentando acreditar que isto é para bem dos outros, mas, lá no fundo, talvez até seja para meu bem. Olhando à volta, para a inércia, dormência e monotonia, talvez não seja para o bem de ninguém.
Acordem!
Revoltem-se!
Nem é preciso revoltar-se, basta não ter medo de ir na direção que queremos ir, mesmo que seja a contrária. Ser nós próprios e pintar os outros com as nossas cores, e não com as que acreditamos serem as deles. Às vezes uns salpicos chegam.
A medo. Sem medo. Pequeninos, mas alguns. Só assim chegaremos alguma vez a algum lado.
Ruído. Tanto ruído. Tanto ruído que, se não for isolado, nunca se irá ouvir nada.
Inês Costa Louro, 1º ano
Ilustração por Catarina Paias Gouveia, 6º ano